Começou com um querer pequeno,
desses que a gente quer e sabe que pode querer sem susto. Olhou com carinha de
anjo pra mãe, que se ria toda quando os olhinhos de Maria brilhavam daquele
jeito. Quer filha? A menina queria, queria a boneca de pano de pernas compridas
que podiam ser trançadas, um encanto.
Maria teve o pequeno querer.
Brincou um pouco com ele, quis tudo o que podia naquela hora de novidade. Antes
o sol dormisse, já estava a boneca tão querida outrora entregue ao tempo.
Maria teve muitos "quereres" como
aquele, um livro de histórias comprido de onde pulavam castelos e princesas, um
lápis de cor colorido que riscava um arco-íris em cada traço, um urso de
pelúcia malhado com uma mancha vermelha no olho, um caderno cujas folhas se
abriam e dobravam de tamanho e ainda um chocolate que não derretia.
A mãe de Maria já estava
preocupada com tanto querer. Ficava parada olhando para filha, enquanto a
menina se apaixonava e desapaixonava pelas coisas. Parada na soleira da porta
vendo a filha brincar, ela pensava: Imagina quando for amor! Quando o querer de
Maria tiver que encontrar o querer de mais alguém. Pior ainda, se esse “querer”
deixar de querer da noite pro dia, aiaiai, coitada da minha filha!
O tempo passou e Maria cresceu,
quis muita coisa até ficar mulher. Naquele mesmo dia, parada em frente ao
portão, cobiçando o vestido da vizinha que se agitava no varal, viu o querer
mais bem quisto que poderia. O moço passou pedalando sem pressa, olhando pra
cima como se adivinhasse o tempo. Vem chuva? Veio. A chuva caiu bem forte,
seguida de um vento que arrastava o vestido da vizinha pelo quintal.
O vestido
se prendeu a cerca, da cerca foi para o portão e do portão para o rosto do
moço, que perdendo o controle, caiu bem em frente à casa de Maria.
A moça parou, com um sentimento
confuso, vendo ali duas coisas que queria muito, bem aos seus pés, o vestido,
agora ensopado e de cor duvidosa, bem diferente da que parecia ao agito do
vento e o moço, com cara de susto, todo molhado e sem nome.
Maria correu para ajudar, pegou
primeiro o vestido da mão do rapaz e pendurou no ombro. Depois levou o moço pra
dentro de casa e pediu ajuda para a mãe.
Enquanto a mãe fazia os curativos
no joelho e na mão do acidentado, Maria cobiçava. Sonhava até que vestia o
vestido da vizinha e os dois dançavam juntos, rindo sem parar. Maria cobiçou,
quis demais, sonhou alto e fez que o moço quisesse também.
Na agonia de querer sem fim, os
dois se casariam três meses depois.
Maria queria um sim na frente do padre, queria festa e queria bolo,
queria muito!
Na hora de proferir a palavra que faria de
Maria a mulher mais satisfeita de seu querer, o rapaz arredou. Gaguejou pra
dizer alguma coisa, mas nada disse.
Maria quis sumir. Pensava como
era possível, ela ali, tão linda e querendo tanto, estar de frente com o não
querer.
Passaram os dias e Maria achou
melhor acreditar que quem não quis foi Deus. Afinal, Deus só queria o melhor
para ela e quem sabe não teria sido bom assim?
O problema era que agora Maria
queria muito esquecer e percebia que quanto mais queria, lá estava o não
querer, parado bem em sua frente, gaguejando.
A Mãe de Maria, acostumada com os
desejos da filha, resolveu aconselhar: Maria querida, porque ao invés de querer
tanto alguém, você não encontra alguém que lhe queira mais?
Foi o que a moça fez, tratou de
procurar alguém que a quisesse, e quando encontrou, o levou diretinho para o
altar só para ouvir o sim que esperava. Teve o sim, teve bolo, teve festa, teve
casa nova, teve amor que cresceu com o querer do outro, teve filho e teve a
certeza de que dá pra ser feliz, mesmo
sem querer.
O querer de Maria de Juana Correia é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário