Era um homem teimoso. Sua teimosia
chegava antes de si. Um olhar adentrava a sala dizendo não.
Pegava sempre os mesmos caminhos.
Comia sempre no mesmo horário. Tinha lugar marcado na mesa. A família se
habituara, fingiam não se importar mais com as teimosias do dia a dia.
Àquela altura da vida não
mudaria. Suas pernas já tremiam a cada passo, suas mãos bem marcadas
dificultavam o dedo em riste. Usara demais, apontara para tantos.
Os filhos ensinavam aos netos a
serem maleáveis. A esposa suspirava antes de cada fala do sujeito teimoso e vez
ou outra virava os olhos e pronunciava as palavras que seriam ditas. Já sabia,
seriam as mesmas palavras, a mesma entonação e ao mesmo lugar levariam.
Teimava desde pequeno. Escolhia
as brincadeiras, era o dono da rua. Sua vontade era seu trunfo, bastava querer
e pronto. Muitos abriam mão das escolhas a favor do homem teimoso, só para não
vê-lo apelar, coisa que fazia sem esforço.
Um dia o homem teimou uma
teimosia acalorada com o caixa do banco. Esse moço ainda tinha a virtude da
paciência e explicara diversas vezes a posição da instituição a qual servia.
Não era possível fazer a teimosa operação.
O homem teimoso, percebendo que
sua teimosia estava prestes a ser vencida, até mesmo ignorada, fez uso de um
recurso extremo. Tossiu, tossiu tanto que logo lhe trouxeram água fresca e
o abanaram. Depois sentado em uma cadeira gorda, já mais calmo pediu a presença
do gerente. O homem explicou à gerência que abrira sua conta ali antes mesmo do
nascimento do moço grosseiro que o atendera ainda há pouco.
- “Qual senhor?”
- “Aquele ali...”, tentando
apontar o dedo em riste, mas sem sucesso.
O gerente pediu que se acalmasse
e que desta vez, apenas desta vez poderia fazer a operação, mas que aquele tipo
de ação tinha sido cancelada pela companhia no mês anterior, porém a julgar
pelo mal tratamento recebido dentro da agência e pela longa relação do homem e
a instituição financeira, não custaria nada atendê-lo.
O homem teimoso sorriu. Já na
saída lançou um olhar vitorioso sobre o moço no caixa, que nada entendia.
Voltava para casa satisfeito de
sua teimosia. Vencia pelo cansaço do outro, mas vencia. A sensação de vitória
percorria as pernas e os braços do homem teimoso, dando pequenos choques,
salivando a boca e disparando o coração. Era forte, uma descarga de energia
tremenda, fazendo dele o dono das ações, das suas, das dos outros, o senhor da
verdade e das escolhas. Cada pedido era atendido, cada insistência era
obedecida, já não precisava tanto do dedo em riste, pois tinha agora o peso da
idade a seu favor. "Farão por mim o que eu quiser...", pensava enquanto caminhava
para casa. Iludido e desatento, não notou o carro da funerária, nem a buzina,
nem o grito. Morreu ali o sujeito teimoso.
A família providenciou o velório
o mais rápido possível. A filha mais velha escolheu as flores, suas preferidas
para se despedir do pai. O filho do meio decidiu o caminho do cortejo, mais
longo e com menor tráfego, talvez bem diferente do que preferiria o pai. A
esposa fez questão de escolher o terno do marido, que há muito não era usado, “-
Ele não gostava, é uma pena...”, dizia aos filhos enquanto engolia o choro. A
caçula resolveu que após o velório o pai seria cremado, coisa impensada pelo
próprio, que julgava que todo corpo deveria ser enterrado e pronto. Mas a
cremação era mais prática, defendia.
No salão, o corpo era velado.
Entre tristeza, conversas soltas e anedotas familiares, que narravam às
desventuras do homem teimoso, havia certo ar de conivência entre todos.
Sabia-se que o certo a fazer naquele momento era exaltar as qualidades daquele
que jazia em repouso eterno.
Assim, ao final, encerrada a
cerimônia, com uma urna em mãos fria e cinza, era o homem teimoso, agora a
lembrança de um homem de opinião, forte e incansável, orgulho da família, como
haveria de ser. Vencia.
O Homem Teimoso de Juana Correia é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.