Desde pequena me lembro de entrar
em casa e sentir o mesmo cheiro de tinta. Às vezes simplesmente acordava e lá
estavam, espalhados, secando no tempo, colorindo o chão. Ficava até mais bonita
a sala, o corredor, com vários rostos me olhando, com tipos que pareciam vir
nos visitar.
Eu me perguntava como ele conseguia
e como era possível tantos rostos pintados em uma única noite. Aí ele me olhava
e dizia: cuidado para não pisar. Quantas vezes ouvi essa frase..., como se
pudesse fazê-lo. Tomava um cuidado, jamais estragaria, sabia que poderia borrar
e que se isso acontecesse, ele jogaria a pintura no lixo.
Vi meu pai pintar velhos, jovens,
boiadeiros, índios, camponeses, crianças, pássaros, prédios, poetas, mas o que
mais me encantava eram as mulheres, os cabelos sempre cheios de vida, com
brincos compridos e olhares ora apaixonados, como se esperassem o grande amor,
ora perdidos, misteriosos. Eu costumava olhar as figuras e atribuir a elas um
nome, uma profissão, uma vida.
As fases foram muitas, assim como
meu pai, respeitando o homem que ele se tornava, os quadros mudavam também.
Hoje não vejo mais os personagens como pessoas que pareciam vir nos visitar.
Vejo como nós mesmos, qualquer um de nós, vivendo no mundo real, com problemas,
com sonhos, desejos, tudo transmitido em
linhas, em cores chapadas, em cenários que antes eram ou claros ou escuros, mas que hoje são tão vivos quanto os
personagens centrais.
Teve um tempo em que as figuras
ganharam o mundo, viajaram e foram vistas por muita gente, exibidas aquelas
lá..., hoje são menos agitadas, trocam lentamente de lugar nas paredes, ou
então se acomodam em fileiras simples para não atrapalhar o caminho. Algumas se
guardaram em pacotes bem amarrados, tão bem se guardaram essas, que sumiram
misteriosamente.
Meu pai não fala muito sobre os
quadros, sentado na prancheta, pinta, coloca para secar, parado em frente
namora, distrai-se ouvindo boa música, assovia... , e caso se apaixona,
emoldura e coloca na parede, ou dá de
presente a um amigo querido. O
mais triste é que as preferidas dele acabam indo embora, compradas,
presenteadas, levadas por um visitante distante e dificilmente são vistas por
seus olhos de criador novamente.
O bom de tudo é entrar na casa e
sentir o cheiro de tinta, tomar cuidado para não pisar, ver o chão colorido e
com sorte ouvir sua voz serena dizendo: gostou? Gostei pai, sempre vou gostar,
é tão parte tua quanto minha, é você, somos nós....
Nossa Juana, não sabia que você escrevia tão bem! Uma escrita fluida, com descrições ricas e intuitivas. Encontrei até mesmo histórias singulares que seu pai nos contou. Certamente valem uma biografia ou um livro de contos impresso em papel. Obrigado por compartilhar! Um grande abraço! Edu (Eduardo Reina Batos).
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